Batidas na porta da frente

O mês de dezembro, apesar de ser o mais desconsiderado de nosso calendário – pra mim ele é uma espécie de irmão siamês do janeiro: está mais pro ano que vem do que pro ano que vai -, tem uma função preciosa que definitivamente não cabe em nenhum outro mês: a recordação. Querendo ou não, é somente nessa época que nos damos conta de tudo o que ocorreu no ano que está acabando. Percebemos que não nascemos ontem. Nos lembramos até do que se passou há 2008 anos atrás (e com detalhes!).
No dezembro cabem longas, médias e curtas durações. No meu caso, o momento "recordar é viver" ocorre geralmente no dia 30 quando finalmente toda a sujeira do ano que acaba é tirada do meu quarto para dar lugar a sujeira nova no embalo dos CDs antigos. Casualmente, foi durante este ritual que ouvi as batidas na porta da frente: era o tempo.
A primeira batida veio em ritmo de drum’n’bass acelerado onde o caso é resolvido “já, já ou jamais”. Foi com a Fernanda Porto que percebi o lado lixo do tempo. Vi que na maior parte do meu 2008 o tempo foi prata. Percebi que a minha mala estava “leve para as maças do meu amor”. Foi tão acelerado que nem deu tempo de me arrepender. Logo descobri que o tempo também pode ser um “tempo, tempo, mano velho”. O tempo que voa longe. Foi pra oxigenar não só os pulmões com um suspiro, mas pra dar um ar novo aos meus projetos. Um tempo futuro que “só me derrube no final”. Um tempo manso como o som mineiro do Pato Fu.
Mas foi no balanço doce de um bolero da Nana Caymmi que vi o tempo mesquinho que tenta aprisionar e adormecer as paixões. Vencendo a barreira deste ditador, a experiente Nana deu a Resposta ao Tempo:
No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer.
Eu posso
E ele (o tempo) não vai poder
Me esquecer.

Com essas três batidinhas, o ano de 2008 foi avaliado por completo, o meu quarto ficou limpo e os meus projetos para o ano novo foram traçados.

*Por Carulhina

FuricoDrops

*Por Clis

Quando a inocência que quebra barreiras


Mesmo passados 60 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, temas como o Holocausto e o nacionalismo ainda são bastante discutidos, geralmente de forma sisuda e chocante evidenciado com cores fortes a realidade dos judeus e a crueldade dos nazistas. John Boyne, escritor irlandês, mesmo não tendo em sua memória vivos os horrores desse período, descreve com simplicidade em O Menino do Pijama Listrado a história de Bruno, um garoto de nove anos filho de um comandante nazista que, devido ao trabalho do pai e às ordens do Fúria (Hitler), precisa mudar-se de Berlim e ir morar em Haja-Vista (Auschwitz).

A princípio, Bruno reluta em aceitar aquela realidade. Os meses passam e o garotinho, assim como sua mãe e Gretel, sua irmã, começam a se adaptar a Haja-Vista. A ligação com o lugar se torna mais forte quando Bruno descobre que do outro lado da cerca moram centenas de pessoas que passam o dia inteiro com pijamas listrados. Em uma de suas explorações perto da cerca, o garoto conhece Shmuel, um menino que, assim como Bruno, tem nove anos. É o início de uma grande amizade.

Diferente de outras leituras sobre esse período onde geralmente o horror pulsa vivamente, na obra de John Boyne a inocência é a pedra de toque. A ingenuidade e a falta de conhecimento do que realmente se passava daquela época acabam quebrando as barreiras que poderiam existir impedindo a amizade de dois garotos que, em tese, pertenciam a mundos opostos. Mesmo marcado pela simplicidade da linguagem – por ser retratado através das lentes de um garoto de nove anos – O menino do Pijama Listrado não deixa de ser intenso e perturbador.

O Menino do Pijama Listrado (Companhia das Letras, 2007, 186 págs.).

*Por Carulhina